quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A borra do café- Rolando Vezzoni

Esse é o ultimo post do Café puro.
Após muitas considerações a equipe chegou a conclusão que boas coisas tem inicio, maturação e fim... por hora, o logo Café puro existe como ideia e história, não mais como a revista virtual.
Por sempre ter sido um site de literatura, pouco mais falarei, e o encerro com um poema(não haveria outro modo):


Bom, como diria Zé Ninguém (que Zeus o tenha)
"o meio é muito mais louco que o fim"

A xícara é entornada.
Cada gole é o que foi:
um gole.

-Prazer, meu nome é café:
Quente.
Amargo.
Puro.
Negro.
Apreciável e finito...
Como a vida, mas sem ressaca.

(desejo o que quer que seja a quem quer que seja)

Tudo que fizemos foi contar "estórias", e um post-post aqui e ali.
Um brinde! e dois adendos:

Rolando, sem metafísica, (cafalírico):
"faz parte"
Brunão, de Lins (ogro literário):
"é a morte do café, vou fumar um cigarro"

Isso é tudo pessoal.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os mosquitos bebem de graça- Rolando Vezzoni




Penso que era carnaval (ao menos parecia), a xícara tinha gosto de barulho, acho que estava certo.
O bule cheio esfriando e a luz forte e sozinha das oito horas, que é o horário reservado para quem quer ficar sozinho tomando café quase frio ("quase" por estar um calor do cacete).
Acho que era carnaval, o cigarro tinha gosto de bagunça, tinha de estar certo.
Os confetes na grama úmida refletindo a luz de fim de verão, cuja a função é te lembrar que não descansou e dormiu como deveria nos últimos feriados e dias "inúteis" de sua vida.
Sei que era carnaval, o pão tinha gosto de noitada, estou certo disso.
As pessoas acordando confusas são muito mais interessantes, o cheiro de ontem e os mosquitos caranguejando por terem chapado do sangue alheio... Invejável.
Barulho, bagunça e noitada correm soltos na terra de Macunaíma, e não tenho tempo a perder.
Saio a caça de algo para chamar de carnaval.
Olho o boteco e o céu, já sei como termina:
Comigo rachando aguardente pra ralar e rolar com Iracema, que pra ser índia só falta tirar a calcinha...
Barulho, bagunça e noitada são folia em terra de mosquito que tem tempo pra beber.
Ando com preguiça e mãos dadas, o mundo corre e eu flerto, sou um corpo cosa-nostra de espírito tupiniquim.
Os homens bons lutam pelo canto mais macio da guia, homens bons precisam dormir.
Só escritores deixam de ser artistas nos carnavais, somos netos de Baco e Vênus, deuses fugidos do inverno europeu...Caçadores de caipirinha.
Bocejo entre o beiço e o pescoço duma ninfa tão embriagada quanto eu, embalados num calor que foge ao bom censo.
Barulho bagunça e noitada são a graça no trajeto ao lar do artista falador, e já nem sei que tempo é.
São três latas e três horas da manhã no lençol que nos recebe, onde não se tem nome nem ano.
Em extase o universo encolhe, e só há o cômodo e o que, de minha perspectiva é observado:
Mulher, mosquito e cigarro... Como se diz suor em tupi?
Sim, era carnaval, a noite tinha gosto de futuro, e tudo que queria era uma boa soneca e um café quase frio pela manhã.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Papiro acidentado- Rolando Vezzoni

Rabisca o papel, delicadas linhas,
se projeta olhos, olhos fortes.
Feição de menina e pele clarinha,
branca como o papel que a tem.
Desce para o pescocinho o grafite platônico,
depois volta e redesenha um sorriso irônico.
Mamas venusianas com movimento nulo,
proporções ventruvianas para o sonho repensado.
Repensado pelo homem que pinta, que deseja...
O ilusionista bidimensional de traço arrojado
ilustra a mulher objetivamente perfeita,
mas sofre pela triste realizãção:
As moças que realmente lhe apetecem
são subjetivamente imperfeitas...
E as tem em partes, e as deseja todas.
O problema da fêmea exata, é a imortalidade.
De pele e cheiro é o tesão do artista,
e para arte, tesão é o mais puro amor.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Barata tomando coca-cola- Rolando Vezzoni

   Parado na parada de ônibus, fazendo nada no meio do nada, humanos mandam bem nisso.
   Nenhum puto no bolso, só um pedaço retangular de plástico (que não vale um centavo quando se está a vinte minutos da borda do planeta) e uma garrafa de coca-cola quente (ácido sulfúrico).
   Fora parar por ali por ter dormido no ônibus anterior, rumo ao lar, mas a noite mal dormida havia massacrado todas as chances, e um homem mal dormido é apenas um dezoito-avos de homem, uma miniatura caminhando pelo mundículo povoado de homúnculos com problemículos muito menores do que ficar preso num ponto de ônibus a esquerda da puta-que-o-pariu.
   Depois de algumas horas sem movimentações interessantes, começou a andar em círculos, círculos que se desenvolveram em um circuito elaboradíssimo, que se estendia até o arbusto amarelo que tinha folhas meio ovais, pessoas tem circuitos: é preciso seguir caminhos para ser uma pessoa.
   Também era sujeito de evitar movimentos desnecessários, sempre foi sujeito de evitar muitas coisas e analisar situações, e foi depois da décima quenta volta que se deu conta do maravilhoso paradoxo que era ficar preso num local em que se usa para dar um jeito de ir embora.
   Na noite caída a paz reinava, a noite na parada quem dorme é o leão...
   Noite sem um teto é covardia universal... O homem constrói tetos por saber que as vezes o crânio não é o suficiente para se guardar o corpo, e guardar o corpo é uma tarefa trabalhosa.
   Monologar reclamações na madrugada solitária foi a solução, organizou suas reclamações por ordem alfabética: Um homem não é homem sem alfabeto.
   A manhã é gloriosa, sol nascendo com preguiça, e o primata pelado e suado, sentado de camisa depois de vinte e tantas horas preso sem banho (e o banho é importante, salvo no caso dos franceses.) admirando o sol, que brilha mais forte na esquina da casa-do-caralho.
   Pra lá pra meio dia que tomou a coca-cola quente, coisa que como homem jamais faria.
Sempre sentiu medo de ficar preso, e ficou preso num lugar aberto de onde deveriam ir e voltar pessoas. 
   Preso pelo medo de perder sua liberdade, no cu-do-mundo depois do arbusto amarelo de folhas ovais, sozinho tendo a plena consciência de que não há consciência a ser compartilhada quando se está sozinho.
   Os humanos precisam de humanos... Era uma barata tomando coca-cola no ponto final.