domingo, 30 de setembro de 2012

Minhas letras, letras minhas- Rolando Vezzoni

Revirando na agenda encontrei muitas idéias para escrever, já semi-elaboradas, coisa de duas horas do meu tempo e vergonha na cara para chegar onde eu quero... nunca foi tão simples, tão sistemático e funcional fazer qualquer coisa desse tipo.
Muito embora até eu começar a escrever isso aqui eu estivesse com uma trava homérica, provavelmente por estar sendo levado a sério por aqueles antes tão críticos, que cobravam tanto e hoje simplesmente acreditam, elogiam, dizem coisas como "temos que publicar isso", "impressionante o seu..." "realmente foi você? não é possível!", professores, pais, colegas, conhecidos, referências, entre outros... e me peguei pensando se não há outra forma de escrever que não tossindo e sendo olhado de escanteio, se minha arte demanda recalque ou marginalização.
Como eu vim parar no meio de um diálogo com uma folha vazia, gastando espaço digital numa epopeia  imensa, numa indagação que só deveria vir depois de anos e de uma carreira bem estabelecida? Como cheguei um dia e escrevi um poema que me jogou nesse universo? Quando eu quebrei o cabaço da materialização das idéias? De onde vieram essas letrinhas malditas e necessárias que me acompanham e me impelem á (possibilitam?) sair por aí vivendo?
Talvez minhas letras tenham vindo de outras letras... Dos livros para criança? Dos quadrinhos que tanto adorava e adoro? Não. Foi do Holden entrando em depressão profunda, do velho Buk e seu pássaro azul escondido nos confins do porre, da faca roubada por boris sangrando na mão de Mathieu, da alma que queima no fogo para se tornar grande...melhor ainda, das manhãs sem rumo matando aula da escola, fugindo dos afazeres duma oitava série mal feita, vadiando com um maço de cigarros e um livro maldito embaixo do braço, ou das tardes no parque olhando gostosas correndo, dos monólogos etílicos nas madrugadas solitárias... e também elas, sempre elas! Elas te fazem produzir muito mais, material puro proveniente de cada micro-relação, de cada aprendizado, recusa, trepada, paixão e descompreensão, depressão e outras ESTÓRIAS (sim, estórias, herdado do eterno Guima Rosa).
Pode ser que o começo venha daí, pode ser por que ter me recusado a ler Polyanna na quarta série, ou por ter repetido o primeiro colegial, ou por ter brigado muito e apanhado muito no curto espaço entre o sanduíche de salame e o banheiro no intervalo da escolinha, dessas pequenas dilatações de espaço-tempo que fazem um moleque sem pentelho se sentir um Sansão careca.
Deve ter sido das crises individuais duma pré adolescência pretensiosa, aquela onde um texto sem revisão e um desenho sem nexo são simplesmente as melhores obras já criadas por mãos humanas, onde perder o cabação é quase igual a se tornar o Casanova.
Foi isso! Pretensão! Pretensão e sublimação! Pretensão, sublimação e referência! Pretensão, sublimação, referência e teste! Sem crise,mania de grandeza e ídolos humanos não se pode fazer nada, é dali que vem, essa é minha fonte, a única pulsão válida e remanescente, a vontade tão grande de viver que atrapalha a sobrevivência, que impele á loucura e a auto-destruição deliberada, linda.
O velho Buk estava certo, não escrevemos porque gostamos, escrevemos por necessidade, precisamos disso.
Como alguém pode ser um escritor se tem planos e pé no chão? Não, não tem como, você só sabe que faz parte disso quando não vive para algo, vive o algo, eu não reorganizo letras de forma aleatória, nem gostaria de ver garotinhas esperando que minhas palavras valham para elas... eu sou minhas letras e é por isso que a folha branca está cheia, por isso que alguém pode ver ela, pois eu vivo ali, é minha extensão, letras minhas.
Resolvi essa minha crise literária ao longo do texto, então encerrarei com um obrigado, obrigado a todos aqueles, aquelas e coisas que fazem parte, porque, bom... Faz parte!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O sentido da vida revelado por um tuberculoso - Rolando Vezzoni

Eu quer... hm... contar-lssss....   huuummm
huuuum....
Pois é, nad...     cauughh!
cauhhuumm!
hhmm...
Afinal, é clar.... grrrr..
ahm..
... a humanida-a...aahhmm...
...e o existir dee-e-eeehhhmm coh! coh!
... e é claro que...
calma...   cof,   cof... cohhhf...
guentaí!.... ahhhmm caralho! coof!
...
é, é isso aí!... huum. huuuuum...
esse é o sentid... sniiiiiff! sentido!
esse o sentido da porra toda.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Os motivos de Hemingway ou o que foi feito deles - Bruno Santana

                Sete horas do mesmo fluxo de pensamento. Sete horas de uma mesma ideia. Sete horas de conclusões não óbvias e dúvidas recursivas. Não se pode dizer que os olhos piscaram em algum instante.
                Tantas oscilações que todos os estados possíveis foram alcançados.
                De uma explosão criativa à escolha matemática do suicídio; tudo entrecortado por cerca de dezessete cigarros.
                 Cada um deles levou setenta e duas horas para apagar. Pelo menos para apagar a ideia que o primeiro acendeu.
                Postura inadequada, tanto física quanto mental. Sem dúvidas, essa não é a forma certa de intentar um feito; se é que isto é um feito. Um pensamento é uma ação?
                Memórias reviradas às toneladas que, se materializadas, com certeza, preencheriam o espaço da varanda. Um levante da infância à jovem maturidade; tudo nas sete horas; no espaço de dezessete cigarros.
                Nada de comida, nada de conversa, algumas idas ao banheiro, água de pia e nenhuma alma viva. O embate perfeito com o cérebro.
                Não é tudo isso. Não é o tipo de experiência sensorial que valha a pena. Na verdade, ninguém sabe ao certo o que é uma experiência sensorial. Aquilo não é uma experiência sensorial. Isto não é uma experiência sensorial. O cérebro não é sensorial. O cérebro é uma unidade de processamento.
                Como o cérebro pode se desafiar? Suicídio mental? Isto é insanidade. É um paradoxo. Não, não é paradoxo, é besteira, é loucura, é o ponto que não deve ser ultrapassado.
                Hemingway, Bukowski, Nietzsche, Machado, Sartre, Sêneca, Sylvia, Fitzgerald, Kerouac, Salinger, Drummond, Álvarez, Fellini, Bergman, Goddard, Kobain, Morrisson, Mestre, Margarida, Holden, Velho, Mar, Gatsby, Hank, Henry, Sal, Dean, Dean, Dean, Dean, Kafka ...
                Kafka ?
                Kafka   !?
                Kafka!
                 K A fka!
                K A F ka!
                K A F K A!
                Puta merda! Puta que o pariu! Imbecil! Verme!
                Era isso todo o tempo:  Kafka!
                Sete horas, dezessete cigarros, quase morte, quase insano, quase qualquer coisas e o que era ... era ler Kafka.
                Não. Também não é isso. O que começa assim não termina com um livro. A sensação pode até ser parecida com o que é descrito por aqueles que leram “A metamorfose”. No entanto, todo esse fluxo, sem dúvida, tem mais a ver com a sensação de escrever um livro estranho , do que ler um livro estranho.
                Uma tarde estranha. Dois amigos fodidos. Um bar de uma cidade pacata. Uma mesa na calçada,  bueiro na esquina. Cheiro de bueiro inflamando a narina dos dois. Cheiro de merda com barata. Cheiro de merda com barata quente. O cheiro da vida dos dois. Os dois querem uma bota, uma caminhonete, uma fazenda, uma boa mulher e uma garrafa de pinga .
                Não, não ... o páragrafo até é bom, mas não é nada em si só. É parte de alguma coisa. É um pedaço de quebra-cabeça.

Continua ...




domingo, 16 de setembro de 2012

Meta-conto e hemorragia cerebral. - Rolando Vezzoni e Bruno Santana



- Puta cara, estou me debatendo com um conto tem mais de mês e a porra não sai.
- Hum. Eu evito passar por isso, ou vira ou não vira.
- Bom, se a porra não sai, pelo menos não tem que abortar! Hahahaha.
- Ow! Já releu uns contos seus percebendo que quando passa o tempo o conto fica mais distante? Como um vinho que fica ou melhor mais velho ou avinagra.
- Não tem como o conto ficar igual pra sempre: não é passivo nem estático. Já aconteceu sim, é algo completamente dinâmico. Certos textos eu leio e penso que sou um gênio, outros me dão vergonha e vontade de parar de escrever.
- Sim, mas, sei lá, eu li uns trecos meus e estou me desenvolvendo bem no negócio.
- Isso é bom.
- Essa análise é digna dum conto...
- A análise dos contos não estáticos?
- É, dos que envelhecem... O Júlio Cortázar dizia que um conto só valia à pena se você ainda gostasse dele depois de um ano
- Algo como: o cara depois de um tempo volta ao conto escrito e o encontra completamente diferente. Muito melhor do que o conto que ele escrevera e ele não consegue entender e sai em busca de uma explicação?
- Sim! Sabe, antes eu tinha dificuldade de fazer contos. Eu só mandava poema, mas, hoje em dia, estou ficando cada vez mais empático com as pequenas estórias.
- É o supra-sumo né cara? Machado, Hemingway, Buk, Salinger... todos os monstros eram gênios do conto.
- Pois é, mas isso é meio perigoso, se eu gostar muito posso acabar virando um.
- É uma boa personalidade, cara. Muito melhor que um romance que sempre é tedioso e longo demais, mesmo os bons.
- Acho que as piores personalidades são as novelas épicas.
- Ter vida épica é complexo e novela demora muito.
- Joyce deve ter pensado isso ao escrever o pobre Ulysses
- Hahaha, pior, Miguel de Cervantes pensou antes de escrever o Dom Quixote!
E olha só que aconteceu com o cara: acabou brigando com um moinho e comendo a baranga...
- Ow, sabe que eu sinto? Que podemos estar dentro de um conto.
- Um conto? Elabore.
- Um conto que ainda não foi escrito. Ao passo que falamos as coisas, escrevemos o conto. Estamos sendo agora o conto que escreveremos no futuro.
- Somos personagens, escritores e contos? Isso é bacana, mas fode com os neurônios.
- É cara, isso vai foder meu cérebro. Está ficando recursivo
- O ciclo tem de ser efetivado desesperadamente... tem de virar o conto! Se não sairmos do ciclo, fudeu.
- Conversar sobre escrever que se está escrevendo sobre você conversando a primeira conversa... é esse o ciclo?
- É.
- Do jeito que está escrito?
- Remendamos uns negócios, mas inevitavelmente aparecerá um comentário sobre remendar uns negócios dentro do conto, pois comentamos isso... faz parte dessa realidade.
- É dialético, estamos na quarta dimensão, em dois tempos diferentes, simultaneamente!
- Isso, pau no cu dos formalistas e acadêmicos, essa é a verdadeira viagem no tempo!
- Assim... já estamos no conto, somos conto.
- Fato, um meta-conto
-Mas tem uma coisa... ou escrevemos alguma coisa que termine tudo ou ficaremos presos nisso para sempre, e eu quero tomar banho antes disso.
- É, estava pensando nisso. E preciso fumar
- Estamos num meta-texto futurístico e circular!
- É o fliperama intelectual!
- Insólito! Digno dum filme do Woody!
- É a realidade cibernética, um conto que viaja no tempo por si mesmo!
- Tem de terminar isso logo.
- Sim.
- Essa conversa está castigando meu cérebro.
- Sinto hemorragias cerebrais chegando.
- Mas acho que esse conto já teve seu clímax: descobriu-se conto. Apenas não enxergo o final.
- Isso é um problema...
- Cigarro e chuveiro são necessários, antes que meu ouvido comece a sangrar.
- Justo e já sei como resolver isso!
- Como?
- "fim"

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Espaço negativo- Rolando Vezzoni

Saí devagar a escanteio, não tive muita escolha, estava tudo certo até que simplesmente do nada eu parei nalgum lugar em que tinha um sujeito inexpressivo, mas não qualquer inexpressividade , era exacerbada ao ponto de ser discreta, com um dono tão sem graça, que não era nem chato, tão vazio que não era nem ignorante, tão nada que era praticamente alguma coisa.
Não dava pra não gostar do cara, porque ele não incomodava, e nem gostar, porque ele não chegava a ser bacana, também não falava muito, mas tampouco era quieto, pois isso seria uma característica... E o que falava era de tamanha irrelevancia, que dava para se levar em consideração, e suas opiniões eram tão enfadonhas que nem eram efetivamente opinadas, mas faziam sentido.
Seu grupo de amigos era igualmente inexpressivo, pois eles todos eram humanos normais, com características variadas, seria demasiado incomum para alguem assim ter amigos iguais, um grupo homogêneo teria identidade, algo impossível naquele contexto.
As roupas também eram neutras ao ponto de nem serem comuns e apagadas... Era velho e era novo... Não era nem branco nem preto, nem verde, nem asiático, índio, indú ou mulato ou alto ou baixo ou gordo ou qualquer outra coisa, era tão sem rosto e corpo que tinha um formato especifico, mas ainda assim dava para ver que tinha sentido naquilo tudo, senão seria o caos, e o caos é identificável... O cara era invisível ao ponto de ser plenamente visível, dava para notar, mas não é possível lembrar se era um sujeito, uma moça ou um extraterrestre.
Um ser assim nem pode ser alguma coisa, mas é, pois é mais que obvio que está ali, e não sendo e estando ali, formava um paradoxo imenso ao ponto de eu simplesmente ter que ir embora, mas assim que eu saí, percebi que era tão indiferente, que seria fácil voltar... Mas é claro que havia de ser assim, pois se ele incomodasse alguém a esse ponto, seria alguma coisa...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

José Revisited 2012 - Bruno Santana


Entre jornais, cafés e cigarros
José cai da cama
de cara
na cara
da existência.

Como um Drummond cibernético
lê 140  caracteres e toma parte
do mundo árabe
da crise europeia
da sujeira do planalto.

A náusea é a mesma:
nos cafés de Sartre
nos bares de Bukowski
nas mesas de Kafka


nos pensamentos do Zé.

Cibernética
Existencial
Pós-moderna
José clama por definição:
qual é de sua angústia?

mas nosso herói está disperso:
tudo é tão grande
suculento
e esse molho é novo?
é novo, não é!?
Sim, sim!
Veio de L.A!

Aquela flor Drummondiana nunca saiu do asfalto
encravou:
empedrou no asfalto
é furúnculo
é  mar de excreta
no peito de  JóZé.

O que fazer?

Os heróis partiram
Os guerreiros morreram
A náusea ficou.
O céu é mais e mais pesado.

E agora, José
mas que porra você fará da vida
José?

Zé!