quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

A borra do café- Rolando Vezzoni

Esse é o ultimo post do Café puro.
Após muitas considerações a equipe chegou a conclusão que boas coisas tem inicio, maturação e fim... por hora, o logo Café puro existe como ideia e história, não mais como a revista virtual.
Por sempre ter sido um site de literatura, pouco mais falarei, e o encerro com um poema(não haveria outro modo):


Bom, como diria Zé Ninguém (que Zeus o tenha)
"o meio é muito mais louco que o fim"

A xícara é entornada.
Cada gole é o que foi:
um gole.

-Prazer, meu nome é café:
Quente.
Amargo.
Puro.
Negro.
Apreciável e finito...
Como a vida, mas sem ressaca.

(desejo o que quer que seja a quem quer que seja)

Tudo que fizemos foi contar "estórias", e um post-post aqui e ali.
Um brinde! e dois adendos:

Rolando, sem metafísica, (cafalírico):
"faz parte"
Brunão, de Lins (ogro literário):
"é a morte do café, vou fumar um cigarro"

Isso é tudo pessoal.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Os mosquitos bebem de graça- Rolando Vezzoni




Penso que era carnaval (ao menos parecia), a xícara tinha gosto de barulho, acho que estava certo.
O bule cheio esfriando e a luz forte e sozinha das oito horas, que é o horário reservado para quem quer ficar sozinho tomando café quase frio ("quase" por estar um calor do cacete).
Acho que era carnaval, o cigarro tinha gosto de bagunça, tinha de estar certo.
Os confetes na grama úmida refletindo a luz de fim de verão, cuja a função é te lembrar que não descansou e dormiu como deveria nos últimos feriados e dias "inúteis" de sua vida.
Sei que era carnaval, o pão tinha gosto de noitada, estou certo disso.
As pessoas acordando confusas são muito mais interessantes, o cheiro de ontem e os mosquitos caranguejando por terem chapado do sangue alheio... Invejável.
Barulho, bagunça e noitada correm soltos na terra de Macunaíma, e não tenho tempo a perder.
Saio a caça de algo para chamar de carnaval.
Olho o boteco e o céu, já sei como termina:
Comigo rachando aguardente pra ralar e rolar com Iracema, que pra ser índia só falta tirar a calcinha...
Barulho, bagunça e noitada são folia em terra de mosquito que tem tempo pra beber.
Ando com preguiça e mãos dadas, o mundo corre e eu flerto, sou um corpo cosa-nostra de espírito tupiniquim.
Os homens bons lutam pelo canto mais macio da guia, homens bons precisam dormir.
Só escritores deixam de ser artistas nos carnavais, somos netos de Baco e Vênus, deuses fugidos do inverno europeu...Caçadores de caipirinha.
Bocejo entre o beiço e o pescoço duma ninfa tão embriagada quanto eu, embalados num calor que foge ao bom censo.
Barulho bagunça e noitada são a graça no trajeto ao lar do artista falador, e já nem sei que tempo é.
São três latas e três horas da manhã no lençol que nos recebe, onde não se tem nome nem ano.
Em extase o universo encolhe, e só há o cômodo e o que, de minha perspectiva é observado:
Mulher, mosquito e cigarro... Como se diz suor em tupi?
Sim, era carnaval, a noite tinha gosto de futuro, e tudo que queria era uma boa soneca e um café quase frio pela manhã.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Papiro acidentado- Rolando Vezzoni

Rabisca o papel, delicadas linhas,
se projeta olhos, olhos fortes.
Feição de menina e pele clarinha,
branca como o papel que a tem.
Desce para o pescocinho o grafite platônico,
depois volta e redesenha um sorriso irônico.
Mamas venusianas com movimento nulo,
proporções ventruvianas para o sonho repensado.
Repensado pelo homem que pinta, que deseja...
O ilusionista bidimensional de traço arrojado
ilustra a mulher objetivamente perfeita,
mas sofre pela triste realizãção:
As moças que realmente lhe apetecem
são subjetivamente imperfeitas...
E as tem em partes, e as deseja todas.
O problema da fêmea exata, é a imortalidade.
De pele e cheiro é o tesão do artista,
e para arte, tesão é o mais puro amor.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Barata tomando coca-cola- Rolando Vezzoni

   Parado na parada de ônibus, fazendo nada no meio do nada, humanos mandam bem nisso.
   Nenhum puto no bolso, só um pedaço retangular de plástico (que não vale um centavo quando se está a vinte minutos da borda do planeta) e uma garrafa de coca-cola quente (ácido sulfúrico).
   Fora parar por ali por ter dormido no ônibus anterior, rumo ao lar, mas a noite mal dormida havia massacrado todas as chances, e um homem mal dormido é apenas um dezoito-avos de homem, uma miniatura caminhando pelo mundículo povoado de homúnculos com problemículos muito menores do que ficar preso num ponto de ônibus a esquerda da puta-que-o-pariu.
   Depois de algumas horas sem movimentações interessantes, começou a andar em círculos, círculos que se desenvolveram em um circuito elaboradíssimo, que se estendia até o arbusto amarelo que tinha folhas meio ovais, pessoas tem circuitos: é preciso seguir caminhos para ser uma pessoa.
   Também era sujeito de evitar movimentos desnecessários, sempre foi sujeito de evitar muitas coisas e analisar situações, e foi depois da décima quenta volta que se deu conta do maravilhoso paradoxo que era ficar preso num local em que se usa para dar um jeito de ir embora.
   Na noite caída a paz reinava, a noite na parada quem dorme é o leão...
   Noite sem um teto é covardia universal... O homem constrói tetos por saber que as vezes o crânio não é o suficiente para se guardar o corpo, e guardar o corpo é uma tarefa trabalhosa.
   Monologar reclamações na madrugada solitária foi a solução, organizou suas reclamações por ordem alfabética: Um homem não é homem sem alfabeto.
   A manhã é gloriosa, sol nascendo com preguiça, e o primata pelado e suado, sentado de camisa depois de vinte e tantas horas preso sem banho (e o banho é importante, salvo no caso dos franceses.) admirando o sol, que brilha mais forte na esquina da casa-do-caralho.
   Pra lá pra meio dia que tomou a coca-cola quente, coisa que como homem jamais faria.
Sempre sentiu medo de ficar preso, e ficou preso num lugar aberto de onde deveriam ir e voltar pessoas. 
   Preso pelo medo de perder sua liberdade, no cu-do-mundo depois do arbusto amarelo de folhas ovais, sozinho tendo a plena consciência de que não há consciência a ser compartilhada quando se está sozinho.
   Os humanos precisam de humanos... Era uma barata tomando coca-cola no ponto final.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O afogando da piscina vazia -Rolando Vezzoni

Mergulha de cabeça na piscina, pois não haveria outro jeito.
A água é rasa, mais rasa do que deveria ser quando se pula de cabeça.
O crânio nunca é o bastante nessas horas, e é hora de sair e tudo dói e gira sangrando o crânio...
Sobreviver é algo relativamente comum, mas feridas e cicatrizes são inevitáveis, e vai se lembrando disso conforme deita no gramado do jardim vazio, após sair do buraco, esperando alguém aparecer para lhe prestar socorro.
Mergulha de cabeça no delírio pós-traumático.
Está agora em uma calçada, sabendo que sonha, é sonho pois não há nada que segue a ultima gota vermelha, e cabeça dói como a sua real deve estar doendo no mundo desperto.
É uma rua, avenida ou algo do tipo, das bem grandes, e lotada de pessoas indo e vindo, tudo muito normal como deveria ser, até que começa andar e se percebe preso a uma esfera de ferro por uma corrente, move-se devagar pelo peso daquilo, como um preso de filmes antigos ou desenhos do Pernalonga.
-Ei! Tem uma porra presa na minha perna!- exclama na procura inútil de atenção.
Os outros olham com desconcerto e prosseguem andando num ritmo anormal e desconfortável, simplesmente se esforçando para continuar.
Todos estavam acorrentados.
Vai andando, é o jeito, se contextualizar naquela tão real irrealidade.
-Ei! Você!- lá de trás.
-Eu? -virando-se
-Tu! Não "ele" -diz uma réplica sua.
-Nós?
-Vós! Sua voz! é igual a minha, como a sua cara e o resto! Somos você!
-E eles?
-Não! Mas sim... Tudo ideia sua!
-Como assim?
-Estamos na sua cabeça gotejante!
-Já desisti de ficar confuso a respeito disso...
-Beleza!
Começam a caminhar sentindo o peso irritante, eles não, ele,seu sósia não carregava peso algum, era o único não acorrentado.
-Tem alguma mensagem que você vai me passar, o sentido da vida ou algo do tipo?
-Você anda vendo muito filme, não?
-Sei lá... Aí teria alguma utilidade, mas não existe isso.
-Nada é útil.
-E pra onde vai essa rua aqui?
-Pra nenhum lugar, só vai indo sem sentido.
-Isso me incomoda.
-A mim não, sempre gostei, desde criança.
-Como?
-Ora, não é assim a vida?
Concorda em silêncio, afinal, sim, a vida é assim.
-E você é o único não acorrentado a esse peso por alguma razão?
-Bom... Eu não sou vivo, sou apenas um ideia sua, com a simples função de...
-Passar o tempo?
-É!
-E os outros, eles também são ideias, e carregam o peso.
-Mas são ideias vivas, projeções de um conjunto de pessoas reais.
-Quando idéias vivem?
-Nunca vivem, mas sempre ilustram a vida...-Respira fundo- Ei!
-Que foi?
-Abraço!
As luzes mudam, está tudo voltando, há pessoas envolta e tudo certo, não vai acontecer nada, nenhuma lesão dizem os doutores, acordou socorrido.
Grande piada a sua sr. doutor... Tudo deixa lesão, a vida é vida por lesionar, a unica coisa que não lesa é a morte, nosso vetor paralelo que nos ensina a gozar viver.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Nem perca seu tempo- Rolando Vezzoni


Chuva de noite é sacanagem mas de manhã é redenção, é o universo te mandando um respaldo legal para ficar em casa sentindo pena de si mesmo.
Esôfago ácido, água e pão seco com muito queijo, preguiça de cortar com a faca, rasga o pão se esforçando para fazer um sanduíche de merda, deita no sofá e procura algo para assistir na tevê, algo que seja minimamente suportável.
Nada, claro que não, tudo é assim numa manhã dessas, onde a chuva despenca em gotas grandes, até o céu tem preguiça de ficar de pé.
Ontem foi aquilo tudo, foi sair do trabalho puto, depois de meia hora lá, e a certeza de ser despedido que até o agradava.
Fingir ser responsável é muito cansativo e te faz realmente responsável aos poucos, e isso é perigoso.
Os anos antigos tinham charme, o porre era de qualquer bebida e sem ressaca, o esforço para qualquer coisa era pequeno e celebrável, as mulheres eram mais escassas mas nem se ligava disso, afinal, o mínimo era mais charmoso, o mínimo era o máximo.
Estava assistindo a estática da televisão, vários pontos cinza e barulho de chuva em telha quando sua mente veio a tona querendo papear.
“Pra quê tudo isso?”
“É que tudo tinha mais charme, tava pensando nisso agora”
“Eu sei né! mas... por quê assistir tevê fora do ar?”
“Sei lá, acho que me lembra de quando era pivete e assistia a lareira enquanto os adultos falavam de política e assistiam ao jornal... Sem influência nenhuma em nada, só se fala desse tipo de coisa para se sentir importante, muito gente vive disso, e eles se sentiam importantes, mas eu sabia que o fogo era muito mais intenso”
“Você é escapista, estático com a estática.”
“É melhor ficar de boa, Srta Mente, se não vou buscar meu uísque e te botar no sub”
Se lembrou daquela cena, do James Dean, etílico brincando com um macaco de brinquedo no meio da rua, levando ele no bolso do paletó para a delegacia esperando erro, mas esperando tranqüilo.
“Sabe, você me atormenta, me atrapalha na hora errada.”
“Nem vem com essa, eu sou você porra, cê manja isso né?”
“É, mas desde o Pinóquio a consciência tem a fama de ajudar... Você não, só me tira do prumo"
“Ei, eu sou um abstração sua, você que observa as coisas assim, eu só te lembro disso!
 Se você tivesse alguma moral, eu te lembrava dela... mas como não tem, eu te lembro de não ter... se você olhasse para o futuro, eu te lembraria dele, mas você vive de agora, e eu só posso te lembrar que amanhã não vai lá hoje... só rindo mesmo.”
“ótimo, minha mente ri”
“Vai ver é o verão, é verão no mundo á sul do equador”
“Que isso! Eu sei que dá pra ser infeliz no primeiro mundo.”
“Infeliz é uma palavra forte”
“É nada, é uma palavra fraca, negação de um estado idealizado, pelo menos como se usa no geral, oposição arbitrária”
“há! Ta vendo como não sou eu o problema?”
“ok ok...”
“Faz o seguinte: acha um filme bacana e liga pra alguma mulher, é isso que deve ser feito, é isso que você faz de qualquer forma”
Pensou nisso, pegou o celular para procurar o numero, mas foi interceptado pela empresa anunciando que entendia seu problema, e que poderia voltar no dia seguinte com desconto dos dias, como havia sido sua primeira falha.
O sistema é absoluto, o sistema é inevitável, é disfuncional o suficiente para funcionar e acabou... Nem leia isso, volte ao trabalho. 
Sério, você não pode perder o tempo que não tem.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ultima carta do náufrago- Rolando Vezzoni


Favores dados, nem sequer pedidos, demandam retorno?
Dá-se algo para se conseguir alguma coisa apenas?
Capitã da vida feita com infantilidade senil,
da independência simulada e frágil que quer mostrar.
Ora, de onde vem tamanho turbilhão de inconsistência e agressividade juvenil?
Tem-se claro o mostrar absoluto do poder desacreditado e enfermo,
da moral tão absoluta, nascida para ser quebrada e sofrida.
Junto dessa moralidade sofrível chora a fraqueza do ato da ameaça pura e falsa,
uma demanda boçal de algo que não se sabe, e a incapacidade do desculpar-se.
Procurar, por errados meios, traz sequelas e cicatrizes exponenciais e irreversíveis aos próximos, sabe?
Acalme-se, os quarenta são novos trinta... Tripulantes! cuidado com o ventre da mulher balzaquiana,
pois nesse ventre quase fálico, reside a insegurança dos novos tempos.
Tão forte, tão fraca, quer ser pai, mãe, tio, tia, professora, avô e avó, mas jamais uma amiga jovial.
Em minha eterna contemplação (pretensamente silenciosa) e displicência carrego armas antigas.
Já conheço as operações de Apolo, que levam um dia para trazer outro enquanto o mundo mantêm o ciclo: As flores caem e as saudades vão diminuindo.
A despeito de apelos apolíneos, a atitude arbitrária de suas lamúrias progride feroz, visceral.
Flutuo entre buracos, peregrino meios desconexos, sou um náufrago cansado.
Aqui mais um adeus momentâneo, na iminência da próxima calmaria pré-tempestade, e mais uma mensagem na garrafa fica á deriva...
Fique com a cautela se a encontrar flutuando, pois um homem não ameaça em vão, sei que quando enfim houver partido, realmente o terei feito...
Nômades tem poucas garrafas, é a última carta do náufrago da ilha cerebral, contemplando a maré estúpida.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A primeira noite do personagem- Rolando Vezzoni


A folha caída só vale a pena por ter em algum momento caído.
Existir problema não é problema, não querer nada já é querer alguma coisa e caminhar despretensiosamente não é fácil, se fosse fácil, o mundo seria também.
Cá em meus contos, vemos um personagem quase sonâmbulo, vivendo suas histórias muito pouco épicas, um ateu espiritualizado, um esforçado vagabundo vivendo suas suas crônicas do desinteresse.
Outro dia mesmo, meu personagem caminhava sem rumo num começo quente de noite de verão, lá pras vinte e duas horas, como apenas os conceitos abstratos e sem nome caminham.
Acendeu uma ideia semi-concreta de cigarro e escutou a projeção gráfica de um miado.
“miau!” pausa “miau!” pausa “miau” pausa “miau”...
Palavras costumam ser inertes, signos complexos que funcionam de forma arbitrária em diversos contextos... Por aqui “miau” é barulho de gatinho, onomatopeia consolidada.
“Ele”, como o personagem que é, simulou dois pensamentos que provavelmente vieram do escritor, um que perguntava por que o gato mia, e outro da diferença funcional do termo “gato” para com o termo “medo”.
Elaborava sua tese a respeito da complexidade do “medo” e da simplicidade de “gato”, que para bons entendedores da língua portuguesa, é o bicho que faz “miau”.
Para o texto não ficar cansativo encerrou suas especulações, e começou a procurar o gato que miava com medo de algo.
Depois da exaustiva simulação de alguns minutos perdidos encontrou o bichano, que era filhotinho e estava num muro alto, e que provavelmente não estava conseguindo sair de cima, por isso a barulheira aguda e desesperadora.
“Ei, gato, vem cá gato” se aproximando com andar de um bom retardado, que apenas os animais merecem “vem cá com o tio, eu te ajudo”.
O animal pareceu não entender muito bem o que outro animal queria, mas deu alguma atenção por estar preso e com um pouco de pena do humano patético.
“miau” podia muito bem estar sugerindo terapia ou que eu saísse e arrumasse um enredo fictício mais interessante para a história, mas como não manjo nada de semântica felina mantive meu personagem tentando ajudar.
“Bom, vou subir o muro, ajudar meu amigo novo”.
Começou uma escalada pseudo-heroica do muro, com toda a capacidade de um homem desocupado.
O muro era pequeno a princípio, sem problemas, mas como muros tem tamanho, e tamanho é altura, e altura depende de medo, quando chegou ao final do alpinismo urbano entendeu o porquê das lamúrias do gato, ficou com bastante incomodado com a altura e com quão barata é sua coragem, bastava adicionar dois metros e meio do chão para ele mesmo começar a miar.
O bichano o olhou desgostoso, como que incomodado com sua companhia.
“Ei, qualé, eu vim te ajudar porra...”
“miau”, mas agora, um miau maldoso, típico de quem está pronto para o ataque.
“calma... calma...”
Gatos são felinos, felinos enxergam bem durante a noite, tem reflexos absurdos, o irritante hábito de caírem de pé e unhas bem afiadas, unhas essas, que no caso, caíram sobre nosso herói vertiginoso, que despencou de costas na grama todo arranhado e com o orgulho bastante ferido.
Vendo o gato encima do muro, e se vendo caído de forma pouco digna decidiu que era hora se ir embora daquele trecho de conto maldoso.
Tentou levantar, mas resolveu respirar alguns momentos, afinal, estava meio arrebentado.
O gato riu, gatos podem rir em meios literários, afinal, eles são apenas uma representação de gato, depois ele pulou, ainda sorridente, caiu de pé, e foi embora tranquilamente.
Anda difícil ser personagem hoje em dia, ainda mais com escritores que tem medo de altura...
Hora do personagem descansar um pouco, afinal, acabou de ganhar vida e dor nas costas, como todos os vivos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Memórias do quarto porco- Rolando Vezzoni


“As boas histórias já acabaram...”
Na livraria, vindo de um pai cansado demais para recomendar alguma coisa para a prole.
“Vai lá com a tia que faz atividades, o papai vai tomar um café. ”
Crianças correm e acham a tal da tia, que começa a contar uma fábula (tosca) com uma voz (forçadamente) cretina, daquele tom que o mundo costuma achar que agrada criança mas não agrada, afinal, ter voz fina e não ser levado a sério é um privilégio da molecada... Não é qualquer tia velha que sabe fazer isso com classe.
 “ohhhhhaaaa! Aí! Veio o lobo-mau! e...”
Falta estilo e alguma criatividade na classe dos monitores infantis.
Pivetes não gostam de ser tratados dessa forma... Isso é coisa de alguns séculos atrás quando não existiam zumbis virtuais a serem assassinados, Cartoon-network e internet.
Entreter criançada demanda habilidade.
Tomar um café. Sentei no balcão.
“Café!”
Torno o olhar para a encenação assustadora do suposto lobo-mal, um lobo que lembra muito uma mulher de um metro e cinquenta que acredita que está fazendo um trabalho fabuloso.
“A história não importa, o que importa é quem conta ela”
Olho para o lado, era o pai de antes.
“Como essa mulher aí?”
“Por favor, tenho cara de economista, , mas te  sou um escritor...  Uso camiseta pólo, penteio os cabelos e nunca publiquei nada, mas sou escritor.”
“Eu também sou, e nunca publiquei.”
“Mas você ainda não se escondeu, o mundo não quebrou seus parágrafos... Você é jovem.”
“Do que você ta falando?”
“Aqueles dois ali são meus filhos, sabe? Os dois que estão vendo aquela porcaria toda”
“Criminoso o negócio lá, só aquela grávida abobada perto da prateleira de auto-ajuda ta curtindo de verdade”
“Sim, eu mando eles lá pra já irem aprendendo a merda que é isso tudo... Eu sempre curti enredos e contos, escrevi algumas coisas quando era mais novo...  Histórias que gostaria de ter lido na minha infância, ao invés de ter visto esse tipo de coisa.”
Pausa, dá um gole no café já meio frio.
“... Nunca publicaram nada, embora elogiassem bastante! E sabe porquê disseram que não iam publicar?”
“Nem imagino.”
“Porque para eles, seria perigoso mandar algo que não nivelasse por baixo, manja? Pra eles tudo tem que ser nivelado por baixo, só vende groselha hoje em dia. As histórias boas já acabaram, quando os caras gostam do negócio eles acham que molecada não vai achar bacana.
“É porque o mundo se leva muito a sério e isso é uma merda, pretensão e auto-imagem transformam cartunistas em publicitários e escritores em advogados que depois acham que são muito importantes para não entender alguma coisa... Se não entendem algo, é porque é para criança ou não faz sentido... Como Alice no país das maravilhas, todo idiota fala que adora e nem percebem que é uma sátira da vidinha vagabunda que levam. ”
“Exato! ‘poxa, gostei desse livro, mas como eu sou a porra do Einstein da contabilidade do prédio cinco meu filho jamais entenderá algo que eu gostei, vou comprar o livro sobre a pequena raposa disléxica que aprende sobre solidariedade “
“Ou o moleque já tem catorze anos, e ganha um livro explicando o que é a masturbação... Cara, isso é o tipo da coisa que ele conhece muito bem. ”
“Isso quando compra o livro, a menina pede o livro e a mãe fala que só vai comprar quando ela terminar de ler o outro, já pra comprar idiotice, tranquilo. ”
“Complicado isso. ”
“Você reclama assim só porque não é casado com uma dessas pessoas, aí você reclamaria como gente grande... Sentir pena de si é bacana. ”
“Difícil cara... pra quê viver assim?”
“A coisa, é que sou um agente-secreto, um infiltrado, e tenho que ir longe. A minha missão é entender o mundo vazio em toda sua ausência de conteúdo. ”
“hahahahahaha, desencanou de escrever?”
 “Parei de mostrar, mas desisti de qualquer forma... Agora, VOCÊ tem uma missão. Contar histórias e reclamar das coisas, certo? É evidente que esse é o seu negócio. ”
“Digerir é viver em dobro. ”
“hoje em dia temos poucos momentos históricos em nossas vidas, sabe como resolver isso?”
“Não. ”
“Pegar nossas histórias vagabundas e contá-las da melhor forma possível... Acabaram as grandes navegações e as cruzadas acabaram junto com a magia das viagens espaciais... Fora que depois do bom cinema, criar novos mundos escritos perdeu um pouco o sentido, mentir para seu leitor é arbitrário, escrever sobre a vida de fato que é a colher dos corajosos. ”
“Tem seu sentido. ”
“Não faça como seu ‘eu’ velho e se esconda, se divirta com colhões, porque a vida já é miserável o bastante quando se sabe brincar com ela, não saber é dantesco...  Aproveite sua alucinação e vá fazer alguma coisa, eu sou fim, o fundo, a desistência absoluta... Você é o que?”
“momento. ”
Ele riu, levantou e foi embora com os filhos enquanto o lobo continuava soprando a casa dos porquinhos num mundo que não aceita porquinhos sem ganância que moram em casas de madeira na praia.
Já ia embora também.
Abaixei para amarrar o tênis: laço pra cá, puxa para lá, ajeito tudo sem pressa, para ficar confortável... Momento, momento puro... Sempre escrevendo sobre a importância espiritual do ato de amarrar o cadarço.
Há! Nem tomei o meu café!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Especial de dezembro parte 1: Rolando Vezzoni e a última noite do planeta azul


“Você sabe o que vem hoje, né?”
“Não”
“O mundo acaba”
“Num começa com neurose”
Ela levanta, segue até a frente da televisão.
“Eu tava te devendo um strip.”
“oohhh, isso é interessante, nunca ganhei isso antes”
“nem eu fiz”
“então vamos fazer direito”
Ele caminha, pega umas cervejas, despeja numa jarra e pega o copo e o cinzeiro.
“não, quero você de camisa, gravata e cueca”
“por quê?”
“quer que o mundo acabe sem nunca ter ganho um strip? tem que contextualizar”
“ok”
Gravata, camisa, e uma cueca? Que cueca? Cueca do Snoopy, de natal com o Woodstock de Noel, um brinde a dezembro.
Volta, só uma luz de fundo acesa, clima bom, tocava Bee-gees.
“poxa, Bee-gees não, fica gay assim... muda isso”
Risos, sempre difícil manter a seriedade, mas isso é bom, pessoas sérias não são companhias ideais para o fim.
“o que então?”
“jazz, pra ornar com a meia calça, que tal um sapato?”
“só tenho tênis”
“desencana, você ta linda”
“é mais fácil assim, né?”
“como?”
“você só elogia na iminência do fim do mundo... parece que tem medo”
“eu não tenho medo do fim do mundo, não faz muita diferença”
“não é do fim do mundo que eu to falando”
Silêncio e sorriso safado, melhor não discutir a vida quando se está vivendo.
Jazz, andar lento, abrir latinha, acender cigarro, cara de bobo. Todo homem tem que fazer cara de bobo na hora do strip.
“Abaixa a mão, não pode tocar, ordens da casa!”
“do que você ta falando?”
“entra no jogo”
“ok”
Puxa a gravata, faz cara sexy e se afasta, ele tenta continuar sério, ela tropeça um pouco no ritmo, tudo bem, falta de perícia é charme.
“então, como é o seu nome?”
“não posso falar, ordens da casa... me chama de Vênus”
“se atendo aos clássicos”
Fez tudo parecer mais real, a verdade é que sempre foi tudo clandestino por ali, sexo e amizade na ilegalidade, fuga da moral alheia... Finalmente era um clandestino digno do apocalipse.
“Do que você gosta Srta Vênus?”
“Gosto que puxe o cabelo, e de tapa, mas devagar”
“Bacana isso”
“Continua fumando, é sexy”
“Sem problemas...”
Sutiã que abre na frente, preto contra a pele clara, óculos escuros para mamilos rosinhas.
Rasga a camisa, morde o pescoço fraquinho.
“isso é psicótico”
“fica quieto aí”
“ok”
“do que você gosta?”
“peitos, e que arranhe as costas”
“só?”
“eu logo penso em mais alguma coisa, por enquanto tudo certo”
Pele, suor, dezembro é quente, os ameríndios sabiam.
“pensa rápido, você tem mais algumas horas de vida”
“até lá, já quero gasto umas 2000 calorias, para fumar meu ultimo cigarro”
“Porque não acabar o mundo num orgasmo?”
“O importante, é já ter gozado a vida, e ter alguns minutos, só para poder lembrar”
“lembrar do que?”
“ De morrer vivendo e de viver morrendo... ”
“Hãn?”
“Que o fim não é o objetivo do meio, por isso a mulher, não minha mão. ”
“é tudo troca, empatia “
 “se já teve isso, tudo bem, que venham os titãs, Srta Vênus “
Olha de baixo, belas sobrancelhas.
Fricção, movimento, lábios, mulher, homem, orelha, unhas, sede, saliva, cevada, pausa, giro, simbiose, agora troca, vai pra baixo, escapou, voltou, risos, muitos risos, cai jarra, é um banho gelado, está tudo valendo, respiração, aceleração, calma, descanso, fim de uma, calma, fim do outro...
Isqueiro, teto, fogo, cinza e bagunça... Seria o sexo, um amor sem guerra?
Tudo vale na última noite do planeta azul. 

sábado, 1 de dezembro de 2012

Para não esquecer- Caroline Bellangero


O meu peito dói. constantemente ele grita para lembrar que ainda existe e, constantemente, eu o calo.
Ele abriga uma saudade pesada d'um lugar longe no tempo, e sempre que estou só ele me lembra de uma história.

Era uma manhã bonita como quase todas as lembranças de manhã que eu tenho de lá. eu chegava miúda e passava de braço em braço pelas gerações. era primeiro aquele colo quente e perfumado de minha mãe e depois o macio e carinhoso da vovó. Eliana, eu sabia, mas para todos, Lili. eu chegava lá cedo e continuava meu sono cortado, acordava só mais tarde, com o cheiro do café fraco. aquele lugar tinha um quintal grande coberto por uma parreira que dava uva fora de época e uma piscina esquecida. tudo lá tinha aquele mesmo cheiro doce, que se misturava ora com o café, ora com o feijão ou com os bolos no final da tarde. fubá com erva-doce, o melhor. e comíamos, falávamos, brincávamos. todo dia era carnaval fora de época. naquele quintal, sobrevoei o mundo em aviões imaginários, fui uma náufraga em ilhas hostis, fui camponesa, fui rainha e fui mãe. e ela comigo, a bordo de todas as fantasias por toda a tarde.
Quando o céu das seis horas era tomado pelo escurecer do céu das sete, o quintal era lavado como um ritual de purificação, às vezes com um pouco de pressa. a casa se punha limpa e em ordem e ele chegava exigindo silêncio. sentava na ponta da mesa e esperava o jantar, embalado por copos atrás de copos de bebidas diversas. comíamos e ele ia ver televisão. ela, arrumava o resto da bagunça e arquitetava a minha despedida. daquele momento em diante, eu sabia que tudo ia acabar e devagar me fazia triste.
Minha mãe aparecia para me buscar e no caminho de volta para casa algumas lágrimas silenciosas eram derramadas enquanto a cidade passava, deixando para trás o meu mundo de possibilidades.

O tempo correu e eu ia me afastando cada vez mais de tudo isso. meu corpo cresceu e me cobravam uma postura mais sóbria que eu assumi sem dificuldades. o quintal comprido foi virando rotina só de domingo, para um almoço grande. os domingos foram acontecendo só de quinze'm'quinze. só de mês em mês.

Até que um dia eu deixei o quintal preso em algum lugar lá atrás e fui para longe dali. você não teve escolha e ficou com o quintal e o ritual de lavá-lo nos finais de tarde. de vez em quando, ainda recebo suas ligações no começo da noite, a hora que seria depois do jantar, para você se despedir como fazia antes. eu sinto sua voz de saudade e meu rosto inunda com as lágrimas que ainda escorrem ao perceberem que eu não estou mais lá.

O meu peito dói. constantemente, ele grita para não esquecer.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Eclipse na terra dos ponteiros - Bruno Santana


A lua apareceu no meio da cortina.
Era delírio, alucinação, flashback ... Peguei no terço e rezei umas aves marias:
Vovó dizia pra fazer isso quando estivesse perto de ficar louco.
Mas ... Na verdade, era só a lua embotada em lágrimas.
Sabe ... a lua chora todas as noites. É triste e solitária. Chora pelos homens, pelo amor e pela vida, mas é louca;
chora de louca, é o que todos dizem.
É só um pedaço de muita coisa flutuando em torno de outro pedaço maior e bem pior. Mas é assim que as coisas são:
ponteiros desregulados, girando e confundindo; porque ponteiros são isso mesmo, são grandes filhos da puta.
Mas o ponteiro só gira porque a fórmula diz pra girar. Sem fórmula, nada giraria. Nada giraria e tudo estaria certo.
Fórmula é assim, faz girar mesmo e é melhor aprender o giro, que se não gira direito ou se não gosta de girar
vômita mesmo, vomita tudo que tem no estômago.
A lua fica nessa, girando e chorando. Chorando e girando. Gira e chora até alguém chorar por ela.
Mas quem chora por ela é mais louco que tudo. Porque é chorar por um pedaço de muita coisa junta.
É o mesmo que pegar areia na mão e chorar o estômago inteiro.

Lua, Lua, Luazinha,
O que ainda diriam de mim
o que diriam todos os homens de sobrecasa ...

eu que não choro
mas olho pra você e pego no giro da tristeza e não durmo nadinha?

O louco sou eu, mas também não ligo.
Nem vou ligar
Nem hoje, nem amanhã
Que Hoje e Amanhã são humanos
são mais das coisas loucas dos ponteiros
ponteiros invejosos invejando o sol
e esse sol
esse solzão
grande, bonachão e tudo mais
esse sim
esse é Amigo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

As jovens no meio do universo- Rolando Vezzoni


Se alguém narrasse a vida, teria de ser muito cruel.
Uma bela mulher, já feita, elegante e com aqueles pares de pernas que te matam.
Uma menina-moça, já interessante e sexy a seu modo.
Mulher ainda que jovem, sem o belo emprego, esperando fim do aluguel e a prestação de seu muito belo carrinho, não dormiu mais que três horas em dois dias.
Desenhos muito bons, mas talvez não o bastante, será? Futuro e talentos escondidos na falta de qualquer coisa que fosse.
A nova entrevista de emprego foi um belo fiasco, já imaginava mamãe a vendo voltar pra casa por não ter conseguido manter o apê, olhinhos reprovando, a menopausa torna as pessoas muito más, sabe?
Terminou sua primeira grande história., tudo em páginas únicas e brilhantes, suadas.
A frustração é cansativa, noites em claro são cansativas, pais também, pessoas próximas do limite não tem lágrimas... Morre de medo e ódio dos olhares que julgam e ainda nem existem, perder é complicado.
Na mochila que leva nas suas costas tem seu mundo, o zíper só fecha até a metade, mas a caminhada é curta e lenta, não tem problema, ainda é moça, não dirige, não chora e não usa sapatos.
Usa saltos altos, vermelhos e poderosos, sujos de barro da vaga, tudo estraga e está estragando no mesmo compasso que sua autonomia, as mulheres de hoje são estressadas como os homens de antigamente.
Seu tênis batuca a calçada devagar, são duas ruas a se atravessar:
Uma de ida e uma de volta com um canteiro no meio.
Um amigo vai atravessar no sentido oposto, ela quer mostrar seu tudo, mas o medo é foda... Ele costuma pedir pra ver, mas como saber se o mundo gosta?
Acelera com pressa, dirige como anda: rápido e com charme, nas alturas dos calçados altos.
A noite é de verão, o chão sempre molhado da chuva de mais cedo.
Gosta de como o vapor acaricia suas canelas, ele vem e ela vai, um olá no canteiro no meio do universo.
Uma senhora na rua vira o volante e crava o solado pontiagudo no breque.
Os olhares são tudo para pessoas que o mundo ainda não conseguiu quebrar, isso explica o canteiro no meio do asfalto selvagem.
A velha, as velhas, depois de certa idade só morrem de velhice, mas o carro acelera.
Ele pede para ver sua arte, ela dá desculpas, prolongam o momento para sempre, está ventando e seus cabelos loiros balançam, quer mostrar, mas sem muita pressa, “está ruim mesmo”.
O pedal travado, o desvio desesperado, a velha só vai morrer de velhice, e o carro e a pista molhada entram no portal do acaso, ela chora com lágrimas negras de rímel, finalmente chegou ao seu limite, o medo faz isso.
A mochila está nas costas, o zíper quebrado, o rapaz lá e ela ali, no canteiro, entre duas pistas eternas, ele vai se despedindo sem ver nada, tem que ir embora, ninguém viu nada ainda.
Ela vê um jovem atravessando a rua de costas, dando adeus, o carro o iria engolir e não havia como mudar isso, está tudo escorregando e fora de controle sentido meio do mundo.
Espera no canteiro o fim do adeus, tudo bem, ainda acha tem todo o tempo.
O carro engole, e segue enquanto ela grita, a menina vira de costas e fecha os olhos.
O impacto vem desacelerado pela grama e a guia que estoura os eixos do carro sem seguro.
Folhas voando longe, um céu sem estrelas girando, reza a lenda que quando se voa é mais fácil de ver o mundo girando, tudo em câmera lenta num silêncio erótico.
Suas costas acomodam no para brisa como em uma almofada, pegando o formato das costas protegidas pela mochila que vai se esvaziando, enquanto a mulher quebra a perna pressionando o freio que se destrava calmamente com o balanço do destino.
Arte partindo, ossos fragmentando, homens morrendo, uma velha envelhecendo e o céu cinza descendo como um cobertor quente sobre duas sobreviventes, uma eternamente manca, outra eternamente saudosa.
Duas cabeças vão se deitando no cômodo espaço belamente reservado pelo destino, sobreviver cansa, quando o bombeiro chegar elas poderão ir embora, agora tanto faz.
Coisas, desejos e medos não protegem ninguém... A vida é um negócio complicado quando se está no centro do universo.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Das merdas, a menor- Rolando Vezzoni e Bruno Santana


-Meulámigo, tá osso esse tempinho em Sampa.
-Me diga selvagem do concreto, como anda a brincadeira por aí?
-Amplitude térmica de 120 graus.
-Ridículo issoaí!
-Isso porque não começou a chuva, aí é canoagem á pampa!
-Que puta esculhacho!
-E como é verão em Lins?
-Verão de deixar cabra bronco.
-Elabora a idéia companheiro dos confins!
-Complicado explicar, o céu por lá é mais pra baixo... Na metrópole é alto, cinza e empalado pelos prédios... No
interior tudo termina em pasto, o horizonte acaba no pasto.
-Como assim?
-Pronde cê olhe, tem pasto, é o fim.
-E o cheiro, é grama e porteira?
-Não, cheiro de merda.
-Por quê?
-Porque tem curtume e curtume fede pra caralho.
-Por aí é merda, por aqui é bosta...
-É pra cada um escolher o esterco que mais gosta.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

(sem título)- Bruno Santana


Nada espera na noite escura
das estrelas mudas
do céu da lua envergonhada.

Brilhando por nada
a lua calada
Detrás da nuvem
                       miúda
miúda e
apavorada.

Nada espera na noite escura
de gritos velhos
familiares.

A faca na orelha
o prato quebrado
o amor em fúria
paixão é guerra.

Nada espera na noite escura
além do verso
na rima fechada.

Calcule o poema
rime angústia
espere nada.

Mas nada chega
nada fala
aflige
nada.

Desisto da luta
Desisto do amor
Desisto da febre
Desisto do céu

Despeço do canto
Despeço da flor
Despeço da praça
Despeço do som

Mas o canto é a vida
que encantou a flor
assaltou a praça
quebrou o asfalto
berrou vitória:
"
a luta acabou
é tempo do amor
a febre é delírio
o céu derramou
"

Não
NÃO
Não em poemas assim

Despedaçados
Desgovernados
Desperdiçados.

Nada,

Nada espero.

Espero,

Des
espero.